sábado, 8 de março de 2008

Por: Manuh Almeida

A PRODUÇÃO INDEPENDENTE NO NORTE DE MINAS É UMA DAS MAIS TALENTOSAS DO BRASIL.
É TAMBÉM A MAIS COMPLICADA.

Em uma tarde de 1978, o professor Darcy Ribeiro palestrava no auditório da FAMED, antiga faculdade de medicina de Montes Claros, norte de Minas Gerais. Os poucos alunos que assistiam começaram a sair do auditório, embromados, com aquela cara de desânimo, típica dos adolescentes. No final da palestra, um som de viola ressoa nos ares. Os alunos que saíram, atentos à música que vinha de dentro da sala, voltaram correndo para ver o que estava acontecendo. As pessoas que não haviam entrado seguiram atrás. Assim, aconteceu a primeira apresentação do lendário Grupo Agreste. Lendário, no sentido maravilhoso da palavra, claro. O Grupo Agreste, formado por Pedro Boi, Ildeu Braúna, Manoelito, Gútia, Sérgio Damaceno, Zé Chorró e Tom Andrade, foi uma das primeiras bandas independentes de Montes Claros, gravaram dois discos autorais, e tiveram duas de suas músicas (Zumbi e Jaíba) tocando na novela Rosa Baiana, produzida e exibida pela Rede Bandeirantes em 1981. O grupo parou no início dos anos 80, dentre outras coisas, por causa das dificuldades de se produzir música na nossa região.

O cenário musical alternativo dos gerais nunca foi forte. Os artistas passam por situações complicadas até conseguirem gravar um cd, ou serem reconhecidos. Desde os anos 70 até hoje os problemas não mudaram muito. Aliás, não mudaram quase nada. A falta de recursos financeiros, de apoio de entidades públicas e privadas e, tecnicamente, de um público mais numeroso, são os principais fatores que condicionam as bandas independentes ao reconhecimento limitado de algumas poucas tribos ligadas à cena indie. Não que isso seja um aspecto ruim, mas essa situação aumenta as chances de uma banda não dar certo. Para o bem, ou para o mal, certa arte (ou artista) só se constrói e evolui de acordo com a aceitação do público vigente. Em Montes Claros e, lamentavelmente, em todo o norte de minas, a cultura underground (uma contracultura, surgida em meados dos anos 60, para questionar e desmistificar os valores impostos pelos mass media) é extremamente mal valorizada, e isso implica diretamente no bom desempenho dos artistas independentes.

Aqui no extremo norte de Minas, particularmente, há um caso clássico a se pensar: as pessoas não gostam das bandas do cenário indie, ou apenas não as conhecem? Há controvérsias! Os próprios artistas não sabem qual é a melhor resposta. As “novas” bandas, principalmente, acreditam que o que falta é espaço para mostrarem sua arte, e que, por isso, as pessoas não têm chance de escutar. Ou seja, não é que a aceitação do público não existe, é que ela não pode ser vista; mesmo porque, para aceitar (ou deixar de aceitar), é preciso, antes de tudo, conhecer. Pode-se dizer, a partir disso, que o desenvolvimento de uma cultura autoral (entende-se uma cultura musical que ultrapasse o simples cover) não depende apenas dos artistas e do público, depende do espaço; em outras palavras: apoio.

Como uma contra-proposta às culturas de massa, surge gradativamente em Minas Gerais um cenário alternativo independente disposto a mostrar uma estética cultural diferente da que o público está acostumado a ver e ouvir. O único problema é que nem todas as bandas estão dispostas a seguir a via-sacra da produção autoral, logrado de uma melhor qualidade e singularidade dos trabalhos. A produção independente é árdua, requer sacrifícios físicos, psicológicos e, sem dúvida, financeiros. É por isso que, dentre as dezenas de artistas que existem, a maioria prefere seguir o caminho mais fácil e se entregam à “cultura cover”, fomentando, assim, a alienação do público.

Essa história do cenário indie ter se fortificado não é conto-do-vigário. O fato é que os artistas, hoje, estão correndo atrás do reconhecimento, e as pessoas começaram a acreditar que há muito mais a ser conhecido além das músicas importadas das grandes capitais e, como é o nosso forte, dos ritmos da bahia. Esse é o ponto positivo. O negativo é que, mesmo sofrendo pequenas evoluções, a música autoral ainda não é comercializada, e isso diminui as chances de apoio e produção de novos projetos.
De 1970 a 2000, diversas bandas apareceram e desaparecem em Montes Claros com facilidade. Brucutus, Animal Core, Solução Suicida e Sickness foram as mais conhecidas naquela época. Hoje existem bandas de qualidade que, inclusive, já conseguiram gravar cds demos e estão correndo atrás de espaço para mostrarem do que são capazes. Umeazero, Vomer, Bruno e Fabiana, Exorcista, River Raiders, Feeble, Maracutaia S.A. e Ruído Jack (que acabou de participar do Grito Rock em Uberlândia), são exemplos de bandas do cenário independente atual, que produzem trabalhos autorais, já gravaram cds, participam de festivais e tentam, a todo custo, expandir a cultura indie no norte de Minas. Por falta de apoio financeiro a Internet se tornou a principal ferramenta de divulgação dos seus trabalhos. Blogs, Orkut, My Space e vários sites de hospedagem gratuita facilitam a distribuição e propagação das músicas e clipes, de uma forma pouco dispendiosa.

O que não se pode negar, no fim das contas, é que o pouco público que existe leva a sério o trabalho desenvolvido por esses artistas. São pessoas realmente interessadas que entendem o real valor das músicas autorais. O problema disso é que o público e os locais onde ocorrem os chamados “eventos underground” são limitados, isso faz com que as mesmas pessoas freqüentem sempre os mesmos lugares. Mais uma errônea forma de se dividir as “tribos”, criando barreiras para a expansão de novas culturas e artistas. Sempre que festivais independentes são realizados, por iniciativa de algumas bandas que se unem ou qualquer outro grupo ligado à cultura regional, a quantidade de pessoas que comparecem é muito pequena.

Os norte-mineiros ainda estão bitolados, aceitam facilmente só o que já é vendido pelos grandes veículos de comunicação. Quando existe um mercado paralelo, logo surgem rótulos e estereótipos. O caso mais conhecido é o do Rock. O Rock’n Roll veio para o Brasil na década de 1950, e no final dos anos 1970 surgiu, em Montes Claros, uma banda de punk rock chamada LEPRA. O movimento não conseguiu se expandir e, no final dos anos 1980, o rock regional praticamente já havia desaparecido. E quando tudo parecia perdido para o cenário indie (que na época era conhecido apenas como independente), surgem, em 1995, as bandas grunge. Foi uma época marcada por ótimas bandas cover, e poucas com trabalhos autorais. Uma das primeiras bandas desse novo movimento cult-musical foi a banda Insanity. Dentre as bandas que surgiram nos primórdios do rock montesclarense, a FÚRIA é um exemplo de que as dificuldades nem sempre são o bastante para estacionar. A banda está ativa até hoje e tem trabalhos autorais gravados.

Um dos primeiros coletivos organizados a favor do rock e, conseqüentemente, dos músicos independentes foi a Associação do Rock de Montes Claros e Região (A.R.M.C.R.), fundada em 28 de agosto de 2006. “É uma Associação Cultural sem fins lucrativos que tem como objetivo fomentar os aspectos sócio-músico-culturais do segmento do rock na cidade de Montes Claros e em todo o estado de Minas Gerais; assessorando bandas, músicos e seus associados de um modo geral, ligados ao mundo artístico. Tive essa idéia ao vivenciar uma total falta de organização e a exploração da nossa cultura e arte por parte de terceiros, pessoas que só se aproximavam e promoviam eventos em busca de lucro” [Fred Sapulia – idealizador da A.R.M.C.R.]. No segundo semestre de 2007 também começaram a ser desenvolvidos os primeiros projetos do Coletivo Retomada, que nasceu a partir de um encontro com os organizadores do Espaço Cubo, que hoje é um dos maiores grupos organizados ligados ao apoio do cenário independente nacional. Com o aumento do número de bandas e artistas, quem sabe o número de coletivos e associações aumente e se multiplique o público ativo da música independente em nossa região? Força de vontade e talento com certeza não são o tempero que falta. O que será então? Acredita-se que tudo não passa de falta de organização, por mais incrível que pareça. Em Montes Claros, Iniciativas como a da Associação, do Coletivo Retomada, do webzine Pirata e do impresso UHU! fanzine são louváveis, mas não conseguem mudar uma realidade enraizada como a dos gerais. Não sozinhos. “Fazemos o nosso trabalho com muito esforço, porque não temos apoio financeiro e, é triste ter que dizer isso, mas esse é o tipo de apoio que faz falta hoje. Continuamos torcendo e ajudando os artistas, as bandas e as associações, mesmo sabendo que as dificuldades não serão apagadas, simplesmente, de um dia para o outro. É claro que temos artistas maravilhosos, que merecem o reconhecimento, merecem palmas. Mas o que a maioria deles precisa entender é que não se faz uma mudança dessa sozinho. Mudar uma cultura vigente, como é o caso da cultura cover e baiana em Montes Claros, requer organização, atitude e, acima de tudo, requer que saibamos unir forças para agirmos juntos! Como seres pensantes! E não ficar cada um correndo para o seu lado, tentando fazer e acontecer!” [editoria do UHU! fanzine]. E que os anjos digam amém!

Fonte: http://www.overmundo.com.br/overblog/independencia-e-musica